Tropa de Elite, o filme brasileiro dirigido por José Padilha que conta a história do Batalhão de Operações Policiais Especiais(BOPE), a tropa de elite da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. O filme foi alvo de pirataria meses antes de sua estréia, sendo vendido em cópias ilegais por camelôs de todo o país, inclusive na Amazônia, e distribuido livremente pela internet.
Se você preferiu não assistir ao pirata e vai ver no cinema, ou mesmo se quer ver de novo para prestigiar o filme uma boa notícia: o filme teve sua estréia antecipada nesta terça-feira para os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Nestas cidades a longa estreiará no cinema amanhã.
Wagner Moura como Capitão Nascimento, em Tropa de Elite. Foto: Reprodução/Uol
Nas outras cidades do Brasil, a estréia continua marcada para o dia 12 de outubro, e para os Estados Unidos, somente em janeiro.
Se você preferiu não assistir ao pirata e vai ver no cinema, ou mesmo se quer ver de novo para prestigiar o filme uma boa notícia: o filme teve sua estréia antecipada nesta terça-feira para os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Nestas cidades a longa estreiará no cinema amanhã.
Wagner Moura como Capitão Nascimento, em Tropa de Elite. Foto: Reprodução/Uol
Um comentário:
Fascista, não!
Está certo. O Padilha e o Wagner Moura têm razão de estar chateados com essa história de serem chamados de fascistas. Isso foi uma grande injustiça. O filme não é fascista. De jeito nenhum. Só quem ignora completamente o que foi o fascismo poderia fazer tal confusão.
O fascismo significa, antes de tudo, uma contra-ofensiva militar das classes dominantes contra os trabalhadores e seus aliados: as nacionalidades, etnias e culturas oprimidas.
A ascensão de Mussolini, Hitler ou Franco significava simplesmente uma reviravolta tática dos setores desfavorecidos do imperialismo europeu visando quebrar a coluna vertebral do proletariado de seus países, preparando assim circunstâncias favoráveis para a deflagração da Segunda Guerra Mundial.
Hitler necessitava subjugar a classe operária alemã, expurgar a tradição socialista do movimento operário mais bem organizado do mundo, difundir o ódio racial, preconceitos étnicos, disseminar o terror, promover o holocausto…
Para quê? Para que a indústria alemã pudesse escoar suas mercadorias para o mundo semicolonial e para os mercados europeus, dominados pelos imperialismos "democráticos": EUA,
Inglaterra e França.
Para que a técnica e a cultura mais desenvolvidas da Europa pudessem encontrar expressão no mundo dominado segundo a partilha feita na Primeira Guerra Mundial, Hitler necessitou converter os trabalhadores alemães em uma máquina de guerra.
A dominação econômica dos mercados consumidores e das fontes de matéria-prima "alheios"
requeria sua prévia dominação militar. Para isso, era preciso convencer a nação alemã a entrar numa guerra infernal, a sacrificar-se de corpo e alma numa guerra insana, a aceitar sua completa desumanização, a crer em sua superioridade racial, ou em qualquer outro tipo de superioridade (a ideologia racial foi apenas uma variante). Não foi fácil. Custou dez anos de esforços estatais intensivos, propaganda, terror, persuasão. Custou a reintrodução do trabalho escravo e o extermínio de milhões de seres humanos em campos de concentração.
Isso era o fascismo, na sua forma mais decidida e resoluta: o nazismo.
Quando as circunstâncias tornaram-se favoráveis, os capitais bancários e industriais alemães decidiram afogar a Europa no sangue das suas classes trabalhadoras. E conseguiram. E ganharam muito dinheiro com isso, sem dúvida. A Wolkswagen, BMW, Siemens, Basf, Bayer, Bosh, entre outras, testemunham.
Isso era o fascismo.
Coitado do Padilha.
É possível que ele tenha alguma coisa a ver com essa história? Claro que não!
Mesmo o fascismo terceiro-mundista, caricatura militar e econômica, naturalmente, do europeu, não poderia ser associado com a temática abordada em "Tropa de Elite". As ditaduras militares latino-americanas visavam frear a onda de revoluções de libertação nacional que abalou o mundo semicolonial do pós-Segunda Guerra, ao mesmo tempo que ofereciam resistência ao ascenso continental urbano favorecido pelo triunfo da revolução socialista em Cuba. É verdade que o BOPE foi instituído pela ditadura. Também é verdade que, naquela época, ele não tinha nada a ver com o suposto "combate ao narcotráfico". Suas funções eram muito menos "nobres". Mas, atualmente, o BOPE tem pouca coisa a ver com os "porões da ditadura".
O filme não é fascista. Tampouco é justo dizer que faça apologia da tortura. Ele simplesmente mostra que a tortura existe, e que ela é sistematicamente usada pelas forças de coerção estatais, isto é, a tortura continua sendo um método sistemático adotado pelas forças policiais no Brasil. Outra coisa que o filme mostra é que, no Brasil, a pena de morte existe. Caveira! Morreu. Já eras. Execução sumária. Tiro na cara. Sem julgamento, sem direitos, sem nada. Pena de morte. Isso existe no Brasil. E foi isso que o filme do Padilha mostrou. No Brasil, a pena de morte e a tortura são métodos sistemáticos e preferenciais usados pelas forças de repressão do Estado.
Mas o Padilha não faz apologia da tortura? Claro que não. O Padilha faz apologia da justiça, isso sim.
Qual a razão do sucesso de "Tropa de Elite"? Muito simples: as pessoas ficam felizes por ver um pouco de justiça, mesmo que seja falsamente retratada. O Capitão Nascimento, do modo como foi retratado, é um justo. E os brasileiros são justos. Os brasileiros adoraram o Capitão Nascimento. O Capitão Nascimento faz justiça num país sem justiça, onde os dirigentes da nação são porcos corruptos, onde todas as instituições do Estado estão podres e corrompidas.
O Capitão Nascimento mata e tortura. Mas, aos olhos do povo sofrido, acuado pelas privações, pela fome, pelos indizíveis sofrimentos, isso é justiça. Matar vagabundo, matar traficante. Caveira! Pega ele, Capitão Nascimento!
O trabalhador brasileiro trabalha 44 horas semanais em penosas condições. Ganha salário mínimo. O filho é drogado. A esposa, doméstica. A filha, desempregada. O trabalhador brasileiro sofre. Então, vem o Capitão Nascimento e diz: "A polícia é corrupta. A polícia é sócia do narcotráfico. Não tem solução. Tem que matar. Caveira!"
E o trabalhador brasileiro fica imensamente comovido! Porque, além de tudo, o Capitão Nascimento toma água num copinho americano. E a mulher dele esquenta água para o café numa humilde panelinha. O trabalhador brasileiro tem pena do Capitão Nascimento, porque o Capitão Nascimento também sofre. Ele também é explorado e humilhado no serviço! Ele também passa privações, sofrimentos, angústias. O Capitão Nascimento tem até problema de família, igual ao trabalhador brasileiro!
Aos olhos do povo, o suposto batalhão incorruptível de justiceiros humildes e bem intencionados representou um alívio. Viram? Existem pessoas justas nesse país. Existem pessoas como nós, que fazem das tripas coração. Que dão o sangue e o suor num trabalho honesto. Que são justas. O Capitão Nascimento é um justo, um sofredor. Um brasileiro. Por isso nós gostamos dele. Pega ele, Capitão Nascimento! Pega ele!
Essa é a receita do sucesso. Além, é claro, do preço: só custou R$ 5,00. Para a maioria, oportunidade única de ver um filme assim, em primeira mão, ou, se preferirmos, de mão em mão.
Não se trata de fascismo, de maneira alguma.
Mas de um falso retrato da justiça, encomendado por um Estado corrupto, podre, incapaz.
O Padilha fez o que a Secretaria de Segurança Pública do Rio e a Rede Globo jamais fariam: criou a ilusão de justiça, criou a ilusão de honestidade.
Agora, o povo pobre, humilde e espoliado das favelas do Rio será vítima do terror, dos bárbaros assassinatos, das balas de fuzil perdidas, das torturas, das humilhações; porém, na TV, no Jornal Nacional, os assassinos torturadores serão reverenciados! A opinião pública será favorável ao terror!
Quando o Caveirão, o blindado assassino do BOPE, entrar nas favelas atirando nos miseráveis, nos desvalidos, atirando nos herdeiros da escravidão, a classe média gritará "Caveira!" em seus lares confortáveis.
Além disso, o Estado não tem mais nada a ver com o narcotráfico. Não são os juízes, promotores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, delegados os responsáveis pela proliferação do narcotráfico. O Estado não é mais cúmplice da indústria das drogas. A partir de agora, os cúmplices do narcotráfico são… os filhinhos de papai da classe média, que fumam
maconha e cheiram cocaína! Bate neles, Capitão Nascimento! Surra eles! Eles financiam o tráfico! As multinacionais, os grandes bancos, os acionistas das grandes indústrias, os sócios da "multinacional do pó" não têm nada a ver com o tráfico! A culpa é dos maconheiros! Pega ele! Caveira nele! Caveira nele, Capitão Nascimento!
Quando, finalmente, as armas do BOPE forem apontadas para a cabeça do trabalhador brasileiro, acuado num bequinho da favela, não adiantará clamar por piedade. "Piedade, Capitão Nascimento! Não mata, por favor, tenho filhos pequenos, sou trabalhador, honesto.
Sou preto porque nasci preto, sou pobre porque nasci pobre! Mata, não, Capitão Nascimento! Mata, não!"
Não adiantará.
O Capitão Nascimento é apenas uma marionete numa Tropa da Elite. A Elite mata. A Elite quer matar. A Elite não gosta de "preto". A Elite não gosta de pobre. Pouco importa que sejam trabalhadores ou traficantes. Pouco importa. A Elite quer gozar o seu Paraíso Tropical. A Elite cansou de ser açoitada nos semáforos. A Elite não quer mais ser ameaçada por assaltantes por causa de relógios. A Elite cansou de levar bala na cabeça em seus veículos blindados. A Elite está cansada e horrorizada com a proliferação da miséria e da violência.
Olho, trabalhador brasileiro!
A Tropa da Elite vem aí. E vai pegar você.
Aí vem tortura e pena de morte.
Olho, trabalhador brasileiro!
O Capitão Nascimento não existe.
Na vida real, eles vão matar você, não o traficante rico.
Olho, trabalhador brasileiro!
***
José Luís dos Santos
São Paulo, outubro de 2007
PS.: José Luís dos Santos é jornalista desempregado.
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